Enchentes e a responsabilidade do Estado

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

"Previsão não pode nunca ser absolutamente válida, e por isso nunca pode a ciência  provar qualquer generalização, ou também verificar uma única afirmação descritiva e desta maneira chegar a verdades definitivas.-  Gregory Bateson  -  Espírito e Natureza

O melhor Estado é aquele que é controlado pela maioria dos cidadãos. Governos – sejam federais, estaduais e municipais – devem atuar em benefício da maior parte do povo e não para grupos de interesse. Na história do país, no entanto, foi quase sempre isto que aconteceu. Utilizando-se de mecanismos jurídicos, de pressão política, de todo tipo de expedientes ilegais e até da violência, os grupos que detinham o poder econômico e político usaram o Estado e seus instrumentos em benefício próprio. À parte restante da população – a maioria – sobrava a tarefa de participar obrigatoriamente das eleições (quando as havia) e pagar (se pudesse) os seus impostos. Como contrapartida, mas nem sempre, recebia serviços públicos; ensino, saúde, transporte, segurança – todos de baixa qualidade. A situação ainda continua em grande parte a mesma, apesar da propaganda do governo custeada com nossos impostos. Pagamos para sermos enganados.
Dentro deste quadro também se situa a expulsão dos moradores pobres para as regiões de várzea, desde a segunda metade do século XIX até a década de 1950, principalmente nas grandes cidades. Os terrenos localizados nas baixadas de rios eram mais baratos e por isso podiam acomodar as classes de menor poder aquisitivo. No decorrer dos anos, com o crescimento da população e o aumento da urbanização, as áreas tomadas aos rios se tornaram cada vez mais densamente povoadas. Ao mesmo tempo, a construção de avenidas e a impermeabilização, fez com que a água da chuva não pudesse mais penetrar no solo. Em sua corrida para as partes mais baixas, a chuva acaba diretamente nos rios, aumentando seu volume e provocando enchentes. As primeiras áreas afetadas durante as chuvas são exatamente as zonas de baixada, situadas pertos dos córregos e rios, e por isso sujeitas a constantes inundações.
As pessoas morando nestas áreas sofrem com os alagamentos há dezenas de anos, apesar das obras públicas, aparentemente realizadas para evitar tais catástrofes. É uma situação muito difícil: populações sujeitas a inundações anuais que destroem móveis e eletrodomésticos; casas desvalorizadas devido às águas e seus moradores sem recursos para se mudarem do local; este cidadão vive sem alternativas. Nem companhias de seguros garantem imóveis ou bens localizados nessas áreas de constantes enchentes. Os órgãos públicos também pouco se importam com a população destas localidades, apesar de no passado terem sido coniventes com a construção dos imóveis e a urbanização das áreas.

Agora o Ministério Público Estadual (MPE) pretende tomar providências em relação a este problema. Autoridades municipais como subprefeitos, secretários e até o prefeito poderão ser processados por improbidade administrativa, caso enchentes voltem a ocorrer em áreas já conhecidas por freqüentes alagamentos. 
O argumento a ser utilizado é o fato de que no caso da reincidência das enchentes o administrador público não fez o seu dever, seja pelo fato de não haver realizado a obra ou de havê-la efetuado de maneira incorreta, fazendo assim um mau uso do dinheiro público. Neste caso o MPE entrará com uma ação civil pública contra o administrador, solicitando a reparação dos danos materiais e morais dos moradores. O dinheiro arrecadado pela ação será destinado a um fundo, o Fundo Estadual de Reparação dos Direitos Difusos e Coletivos, que planeja ações antienchentes. O administrador, por outro lado, ficará com sua “ficha suja”, atestando que não resolveu um problema do qual já tinha conhecimento há pelo menos três anos. Este aspecto pouco recomendável da carreira política do tal administrador deverá então ser lembrado à época das eleições, mas será? Nosso país tem memória curta e tais fatos logo serão esquecidos.
Melhorias só ocorrerão quando houver efetivamente um planejamento do futuro e um reordenamento do presente das cidades. Intervenções no ambiente urbano que ao mesmo tempo em que resolvem problemas presentes, também estão com um olho no futuro, antecipando conseqüências das ações presentes. Nossos administradores têm capacidade para isso?
(imagens: Jean Arp)

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