Matsuo Bashô

sábado, 24 de junho de 2017

(publicado originalmente na página da Academia Peruibense de Letras no Facebook)

Matsuo Bashô (1644-1694) ou simplesmente Bashô foi o poeta mais famosos do Japão no período Edo. Bashô, que era filho de um samurai, iniciou sua carreira como pajem de um nobre, quando começou a tomar gosto pela poesia "no renga". Com a morte do nobre, teve que deixar a casa de seu protetor passando a viajar pelo Japão, aprofundando seus estudos sobre o zen-budismo e a poesia.

Foi Bashô quem estabeleceu os cânones da tradicional poesia japonesa do "haikai". Derivado da poesia aristocrática "renga", o haikai passou a assumir diversas formas, todas praticadas por mestre Bashô. Misturando aspectos cômicos e espirituais, o haikai retrata imagens do cotidiano, da natureza e figuras da cultura popular; como o mendigo, o fazendeiro e o viajante.

Bashô publicou uma grande variedade de poemas, a maioria deles ainda inéditos em português. Seu livro mais famoso, Sendas de Oku, reúne seus mais famosos versos. No Brasil, a poesia do haikai também foi praticada por autores como Guilherme de Almeida, Millôr Fernandes e Paulo Leminski. 

Do mestre Bashô selecionamos alguns haikais disponíveis no portal "Nippo Brasil" 
(http://www.nippo.com.br/zashi/2.haicai.mestres/092.shtml), começando com o haikai mais famosos de todos os tempos, "furu ike", "Velho lago":

Olha o velho lago -
Após o salto da rã
O barulho da água.


Abaixo, outros "haikais" do grande poeta:

Ah, lua de outono -
Caminhei a noite inteira
Em torno do lago.

À beira da estrada
A flor do hibisco, e o cavalo
De pronto a comeu!

No pensamento
Um esqueleto abandonado -
Arrepios ao vento.

Bananeira ao vendaval de outono -
Noite de ouvir a chuva
Pingando numa bacia.

Sobre o galho seco
Um corvo pousado -
Entardecer de outono.

Sob esta ameixeira
Até mesmo o boi vem dar
Seu primeiro mugido.

(Imagens: pinturas retratando Bashô)

Até quando?

sábado, 17 de junho de 2017

"É certo que persistem no homem, através da vida inteira do organismo, traços que não recebem, ou parecem não receber, influência nenhuma da vida social nem da experiência cultural ou pessoal, processos vegetativos, uns e outros, atos reflexos, necessários à manutenção fisiológica do organismo individual."  -  Gilberto Freyre  -  Sociologia - 1º Tomo


Depois de chegar a ser o sexto maior Produto Interno Bruto (PIB) do mundo em 2012 - atrás apenas dos Estados Unidos, China, Japão, Alemanha e França -,  sonhando com a possibilidade de desbancar os franceses e chegar ao quinto lugar, a crise econômica derrubou a economia brasileira. Escorregamos e rapidamente caímos para a nona posição em 2015, quando as atividades econômicas do Brasil tiveram uma retração de 3,8% em relação a 2014. Em 2016, quando o PIB brasileiro alcançou R$ 6,266 trilhões, o Fundo Monetário Internacional (FMI) previa que em 2017 voltaríamos ao oitavo posto, ultrapassando a Itália. No entanto, dada a pífia recuperação de nossa economia prevista para esse ano, parece que só voltaremos a galgar posições mais altas no futuro.

Por ordem de PIB per capita o Brasil ocupa a posição 65, abaixo da Argentina (posição 53) e do Chile (59). Devido à paralisação da economia, nosso PIB per capita caiu 0,4% em 2014, 4,6% em 2015 e 4,4 em 2016. De acordo com as estatísticas, ficamos cerca de 10% mais pobres em três anos, apesar da crise não ter afetado a todos igualmente - muitos até estão lucrando com ela.

Os gastos do Estado brasileiro correspondem a 40% do PIB, o que em 2016 correspondeu a mais de R$ 2,5 trilhões. O custo da máquina estatal só vem crescendo ao longo das últimas décadas. Desde a criação do Plano Real, em 1993, quando a carga tributária já chegava a quase 26%, os impostos aumentaram em mais de 13%, alcançando quase 40% do PIB em 2015. No entanto, o retorno sobre os impostos pagos é o pior do mundo. Nos últimos anos, o Brasil tem mantido seu lugar como a nação que oferece o pior e mais baixo retorno à sua população, sobres os impostos pagos. Os dados abaixo, referem-se ao ano de 2013 e foram publicados pela revista EXAME em 1/6/2015:

Índice de retorno ao bem estar da sociedade

POSIÇÃO   PAÍS                    CARGA TRIBUTOS SOBRE PIB   ÍNDICE
1º              Austráilia                                   27,30%                           162,91
2º              Coréia do Sul                            24,30%                            162,79
3º              Estados Unidos                         26,40%                            162,33
4º              Suíça                                         27,10%                            161,78
5º              Irlanda                                       28,30%                            158,87
6º              Japão                                         29,5%                              156,73
7º              Canadá                                      30,60%                            156,48
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27º            Hungria                                     38,90%                            139,80
28º            Dinamarca                                45,20%                             139,52
29º            Finlândia                                   44.00%                             139,12
30º            Brasil                                        38,90%                             137,94

Pode-se concluir que a recessão que afeta a economia brasileira desde 2014, tenha piorado ainda mais estes números, mantendo o Brasil na sua imbatível posição de pior colocado.

Além de significativa parte da riqueza do país ser encampada pelo Estado, a cobrança dos impostos também é feita de maneira prejudicial à maior parte da população. Grande parte dos tributos incide sobre o consumo (veja o percentual de imposto nas suas compras de supermercado) e menos ou quase nada sobre a renda e sobre bens - principalmente na taxação de grande fortunas. Enquanto que nos Estados Unidos e na Alemanha os impostos sobre a renda são mais altos do que por aqui - com mais retorno para o cidadão, evidentemente - a taxação de grandes fortunas (a partir de R$ 2 milhões nos padrões brasileiros) pode chegar a 40%, ao passo que no Brasil alcança a alíquota máxima de 5%, para fortunas a partir de R$ 50 milhões. A Constituição federal de 1988 prevê a taxação de grandes fortunas mas a lei complementar para sua regulamentação ainda não foi criada.

Qual será a razão humanitária para poupar nossos afortunados? Nos Estados Unidos grandes milionários, além de pagarem altos impostos, fazem doações para instituições de caridade, hospitais, institutos de pesquisa, museus, universidades e incentivam as start-ups. Por aqui, nosso milionários, com raras exceções, são sovinas, não se interessam pela cultura ou pesquisa, e quando muito fazem uma "doaçãozinha" para alguma instituições de caridade - se possível sob os holofotes da mídia.

Desde o Plano Real (1993), com a eliminação da inflação, as condições de vida melhoraram para grande parte da população mais pobre. Nos dois governos Lula, o poder de compra das classes mais baixas aumentou mais ainda. A expansão econômica através da ampliação do consumo, fez com que aumentassem consideravelmente os postos de trabalho e subisse o valor médio dos salários nas faixas mais baixas até três salários mínimos. Em um curto espaço de tempo de menos de dez anos, a economia incorporou cerca de 30 milhões de novos consumidores. No entanto, a inserção destes novos trabalhadores e consumidores na economia estava acontecendo sob bases bastante frágeis. Instituições internacionais, já em 2013, alertavam para uma queda do nível de atividade econômica e a consequente volta destas populações aos níveis mais baixos de pobreza. Em março de 2017 o jornal O Globo publicou os seguintes números, sobre os países com maior diferença de renda no mundo:


Os países mais desiguais do mundo

Ranking do Índice de Gini, indicador de disparidade de renda. Quanto maior, mais desigual.

África do Sul                            0,634
Namíbia                                   0,610
Haiti                                         0,608
Botsuana                                 0,605
Rep. Centro-Africana              0,562
Zâmbia                                    0,556
Lesoto                                     0,542
Colômbia                                 0,535
Paraguai                                  0,517
Brasil                                      0,515
Suazilândia                              0,515
Guiné-Bissau                           0,507
Panamá                                   0,507
Honduras                                 0,506
Chile                                        0,505
Ruanda                                    0,504
Congo                                      0,489
Guatemala                               0,487
Costa Rica                               0,485
Quênia                                     0.485

Em um artigo publicado na imprensa em 2013, escrevíamos:

" Em publicação recente, o Banco Mundial (Bird) informa que o número de miseráveis, classificados pela instituição como sendo pessoas que vivem com uma renda equivalente a R$2,50 por dia, diminuiu de 43% da população mundial em 1990 para 21% em 2010. Esta redução no percentual de pobres em todo o globo estava prevista para acontecer somente a partir de 2015. O fato é auspicioso, já que apesar da crise econômica mundial desde 2008, a miséria pôde ser reduzida em muitas regiões.  

O que também contribuiu para a diminuição global da pobreza extrema foi o crescimento da economia de grande parte dos países em desenvolvimento, notadamente na Ásia onde milhões de chineses, indianos, vietnamitas, cambojanos e outros, foram galgados para uma melhor condição econômica, com a criação de novas oportunidades de trabalho. O mesmo aconteceu no Brasil, México, Peru, Colômbia; países onde a criação de renda e programas sociais resgataram milhões de cidadãos de uma situação de penúria extrema.

Grande parte dessas pessoas, segundo o Banco Mundial, ainda se encontra em situação economicamente vulnerável, ou seja, sujeita a voltar à situação de miserável caso a economia de seus países seja afetada por nova crise. Diz o banco que a linha da pobreza moderada situa-se numa renda de R$ 8,00 (ou equivalente em outras moedas) por dia. Quem ganha entre R$ 8,00 e R$ 20,00 é considerado "vulnerável". No Brasil, no entanto, é considerado “classe média” aquele que recebe entre R$ 12,00 e R$ 40,00 por dia – o que significa que uma parte da classe média brasileira ainda está na faixa dos vulneráveis, podendo voltar à condição de miserabilidade caso a economia pare de crescer.

Mas não é somente a melhoria da renda que tira o cidadão da situação de miséria. É preciso que o Estado garanta uma estrutura de apoio social, formada por serviços de saúde, saneamento, educação, habitação, segurança e transporte, assegurando que estas pessoas consigam manter-se permanentemente acima da linha de pobreza. Os países em desenvolvimento precisam fazer grandes investimentos em infraestrutura e serviços básicos, possibilitando que seus cidadãos possam manter-se em aceitável situação econômica e social, proporcionando assim uma vida melhor aos seus filhos, dando início a um ciclo virtuoso.

Nesse ponto o Brasil vem patinando há anos. Apesar do efeito positivo dos programas de distribuição de renda, grandes contingentes da população correm o risco de voltar à miséria. Falta de planejamento, incapacidade de coordenar projetos, afora os casos de malversação de recursos públicos, impediu que o Estado realizasse maior número de obras de infraestrutura. Estradas e portos congestionados; hospitais, escolas e órgãos públicos desaparelhados; a segurança do cidadão sob ameaça constante. Enfim, o governo errou na previsão: achou que  só o consumo levaria o país adiante e quem perdeu foi o povo."  

Ainda com relação ao Estado é preciso falar de sua máquina burocrática. Em todos os países desenvolvidos criou-se já há muitas décadas uma estrutura de profissionais capacitados, cuja função é administrar a máquina do Estado, nos três Poderes e em todos os níveis; federal, estadual e municipal. Muitos governos criaram há mais de um séculos escolas especializadas, para capacitação de futuros servidores públicos. No Brasil esta prática é relativamente recente e ainda falta um real incentivo para que os profissionais efetivamente frequentem escolas (como a Escola Nacional de Administração Pública e as Escolas de Governo) e cursos relacionados com a administração pública.

É fato que a falta de preparo dos profissionais, desde o nível mais baixo ao mais elevado, a ingerência política depois de cada eleição, a desorganização das carreiras profissionais e a baixa remuneração, principalmente nos níveis profissionais mais baixos, são fatores que limitam a qualidade do serviço público. Mesmo assim é necessário enfatizar que ao longo dos últimos quinze anos, a carreira pública tem atraído cada vez mais candidatos. Estabilidade no emprego, independentemente da qualidade da atuação; salários acima da média mais gratificações, benefícios e adicionais; jornada de trabalho geralmente menor e não vinculada a resultados; e aposentadoria integral, muitas vezes com as mesmas vantagens do pessoal que está na ativa. 

Todos estes fatores contribuem para que a máquina pública se torne lenta, desorganizada e algumas vezes sujeita a corrupção, proporcionando um atendimento sofrível, se não ruim, na maioria dos casos. Mesmo assim - ou até por isso - o número de funcionários públicos municipais, por exemplo, aumentou em 66,7% entre 2001, quando o país tinha 3,9 milhões de servidores municipais, e 2014, quando este número subiu para 6,5 milhões.

Assim, podemos resumidamente enumerar alguns fatores que acabaram conduzindo o país a esse beco sem saída no qual se meteu:

- Políticas de gestão econômica e fiscal desencontradas, que fizeram com que a economia entrasse em um profundo processo recessivo;

- Manutenção de um Estado grande, lento, mal preparado e por vezes corrupto (basta ver o caso do estado do Rio de Janeiro), que passou a demandar cada vez mais recursos (que nem sempre eram bem investidos);

- Economia pouco dinâmica, com forte ingerência do Estado e beneficiamento de empresas com boas relações com o poder;

- Agências reguladoras que ao invés de zelarem por relações comerciais equânimes entre fornecedores e consumidores, nem sempre cumpriram este papel;

-  Aversão a uma maior participação da iniciativa privada em atividades antes reservadas ao Estado (e que não soube e não pôde cumprir), como construção e operação de obras de infraestrutura de transporte, saneamento, geração de energia, etc.

A mentalidade, ainda muito forte em certos setores da sociedade brasileira, de que o Estado deva ser o provedor e o gestor de grande parte dos serviços públicos tem contribuído para levar o país à atual situação. A história da administração diz que os governos são maus gestores de recursos e que devem se limitar às suas funções básicas (neste caso o poder Executivo) de prover educação, saúde, segurança e aplicação das leis; além de gerir a máquina púbica que por sua vez atuará como fiscalizadora das demais atividades a cargo do setor privado.  

Há uma série de outros aspectos que são parte do problema que descrevemos acima e que precisam definitivamente receber um encaminhamento, como:

- O aumento da pobreza no país. Depois da momentânea euforia dos anos 2005-2013, a economia voltou a demitir (hoje mais de 14 milhões de desempregados oficiais, mas estimamos cerca de 18 milhões) e o padrão de vida de grande parte da população só vem caindo;

- O problema da criminalidade, resultado da ação do crime organizado, que estabeleceu sua influência em todos os níveis - executivo, legislativo e judiciário;

- A falta de confiança nas instituições em geral, fator que vem se agravando há décadas. São cada vez menos instituições que têm alguma (mínima) credibilidade perante a opinião pública;

- A falência dos valores e dos ideais da modernidade. Civilidade, cidadania, tolerância, laicismo e cultura estão desaparecendo; substituídos por discursos de intolerância, autoritarismo, fundamentalismo religioso e político, obscurantismo e mentalidade anticultural.

Talvez tenhamos chegado ao ponto em que "o barco pode afundar com todos dentro"; elites econômicas e políticas, grupos privilegiados, corruptos e corruptores contumazes, "novos ricos", classe média tradicional e "nova classe média", trabalhadores, pequenos empresários e desempregados, pobres e miseráveis... E isso pode ocorrer em não muito tempo. O processo de entropia econômica, social e cultural está avançando, basta acompanhar a mídia (não só a oficial chapa branca), ou percorrer as cidades e as ruas do país, observando e conversando com as pessoas.

Se a mudança não começar, até quando poderemos manter a estabilidade política e social da nação?

(Imagens: Georgina de Albuquerque)

Newsletter junho/julho/agosto

sábado, 10 de junho de 2017

(Publicado originalmente no site www.ricardorose.com.br)

Nossa última newsletter foi escrita e publicada exatamente na quarta-feira de Cinzas, dia 1 de março último. Retrospectivamente, podemos ver como toda a situação do país mudou em  pouco mais de dois meses. A denúncia da JBS foi definitivamente o estopim para aprofundar a crise política na qual o pais vem se arrastando desde o final do governo Dilma.

No plano econômico era imperativo que o governo conseguisse aprovar algumas reformas que, segundo especialistas, iriam voltar a trazer o equilíbrio e começar a apontar a direção da retomada do crescimento econômico. Assim, aprovado o teto de gastos do governo, os próximos passos seriam a aprovação das reformas trabalhista e previdenciária.

Apesar da falta de apoio à reforma da CLT por parte dos partidos de oposição e das centrais sindicais, a maioria governista no Congresso muito provavelmente garantiria o apoio necessário ao governo. Passado na Câmara dos deputados, o novo marco legal agora aguarda avaliação do Senado. Já a reforma da Previdência tem um número maior de opositores. Se, por um lado, o projeto não foi do agrado da maior parte da população - provavelmente por falta de informação e pela incapacidade do governo em comunicar as mudanças -, por outro lado, a retirada dos militares e dos funcionários públicos das categorias afetadas pela reforma gerou mais desconfiança ainda. Para aqueles setores que a priori entendiam a necessidade da reforma, concordando com a ideia, a concessão de regimes especiais de aposentadoria para os servidores públicos, historicamente gozando de privilégios vedados aos trabalhadores do setor privado, dava a entender que nada iria mudar.    

Como se já não bastasse este imbroglio governamental, junte-se a isso a denúncia premiada feita pelos proprietários da empresa JBS, os irmãos Wesley e Joesley Batista, incriminando centenas de políticos de todos os partidos, inclusive o presidente Temer e o senador Aécio Neves. Os irmãos teriam repassado cerca de R$ 600 milhões a deputados e senadores nos últimos meses, além de aparentemente terem tido um ganho de R$ 1 bilhão com especulação no mercado financeiro. Mesmo assim, estranhamente, tiveram o direito de deixar o país - onde diziam estarem sendo ameaçados de morte - para fixar residência nos Estados Unidos.

Se o país já ficou estarrecido com as denúncias do Mensalão e da Lava Jato, as acusações feitas pelos donos da multinacional da carne (e comprovadas pela Polícia Federal) são mais um golpe na confiança da idoneidade e capacidade dos políticos - se é que ainda havia alguma. No plano internacional a imagem do Brasil fica cada vez mais abalada, prejudicando empresas, instituições e cidadãos.
Para a economia as consequências provavelmente serão ruins. As negociações referentes às reformas, se não foram completamente prejudicadas, poderão ser atrasadas ou até alteradas em sua formulação original (a qual já era produto de uma série de concessões). As agência internacionais de avaliação já falam em baixar mais uma vez o rating do Brasil, o que poderá prejudicar planos de investimentos em áreas como a infraestrutura. Alguns bancos reduziram suas previsões de crescimento para a economia brasileira em 2017, prevendo que não ultrapasse os 0%.

Em todo este quadro, as notícias sobre o meio ambiente também não são otimistas. Dados recentemente divulgados informam que a Mata Atlântica, por exemplo, teve um aumento no desmatamento de 57,7% entre 2015 e 2016, com a derrubada de 29.075 hectares de floresta. Segundo a ONG SOS Mata Atlântica, tal nível de desmatamento não era registrado há dez anos. O estado que mais desmatou foi a Bahia, que destruiu 12.288 hectares de floresta nativa. No estado do Espírito Santo a derrubada da floresta aumentou em 116% entre 2015 e 2016. Um dos principais motivos deste aumento no desflorestamento, segundo a ONG, foram as alterações no Código Florestal brasileiro e a flexibilização do licenciamento ambiental. Mais um exemplo desta "nova orientação política" em relação ao bioma, é o projeto de construção de uma usina termelétrica de 1,7GW (será a maior do Brasil) no município de Peruíbe, em São Paulo, na região onde o bioma da Mata Atlântica é um dos mais conservados do país. Na região amazônica, além da redução das áreas das Unidades de Conservação (UC), o desmatamento também aumentou em 2016, com direito ao "Troféu Moto Serra" para os estados do Mato Grosso, Pará e Rondônia.

Para tentar se manter no cargo apesar das acusações, o presidente Temer precisará do apoio de um grande número de parlamentares. Providencialmente a bancada ruralista, representada pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), já garantiu seu apoio ao mandatário no último dia 23 de maio. Qual será a moeda de troca para pagar este apoio? Depois da alteração do procedimento de demarcação das áreas indígenas, quais serão as novas mudanças que beneficiarão o agronegócio?

Como não resta muito espaço para falar do avanço (ou não avanço) na implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos e das (poucas) novidades na questão do saneamento, gostaria apenas de lembrar do desastre de Mariana. Em março último houve rompimento em um duto da Companhia Vale do Rio Doce em Congonhas, fazendo com que os rejeitos de mineração fossem descarregados em rios e córregos da região. No mesmo mês os jornais noticiaram que o governo Temer omitiu o desastre de Mariana em um relatório que foi entregue para a ONU, tratando da situação dos direitos humanos no país - como se o desastre de Mariana nada tivesse a ver com o assunto. Segundo o governo, "a ONU impõe um tamanho ao documento, e assim o desastre de Mariana não pode ser incluído no texto".

Tá bom isso ou quer mais?
(Imagens: fotografias de Bruce Davidson)

Geração e eficiência energética no Brasil

sábado, 3 de junho de 2017
"Na verdade, uma teoria filosófica é uma questão desenvolvida e nada mais que isso: por ela mesma, nela mesma, ela consiste não em resolver um problema, mas em desenvolver até o fim  as implicações necessárias de uma questão formulada."  -  Gilles Deleuze  -  Empirismo e subjetividade

Apesar da queda do consumo com a crise econômica, o Brasil ainda é o décimo maior consumidor de energia em todo o mundo e o maior na América do Sul. As principais fontes energéticas do país são o óleo e outros combustíveis (39% incluindo o etanol); as hidrelétricas (29%); e outras fontes renováveis (21% principalmente biomassa). A energia elétrica, de acordo com o Ministério das Minas e Energia (MME), tem as seguintes fontes: as hidrelétricas (70,6%); as termelétricas (18,3%); a biomassa (7,6%); os reatores nucleares (2,4%); e os geradores eólicos (1%) (EPE, 2013).

Em fevereiro de 2016 o Brasil tinha uma potência instalada de 141.699.960 kW, gerada por 4.461 unidades produtoras (ANEEL, 2016). Os principais consumidores dessa eletricidade foram a indústria (46,4%); o setor residencial (22,1%); o comércio (15%); o setor público (7,6%); o agropecuário (4,3%); e outros serviços de infraestrutura (4,6%).


Até o final dos anos 1990 o Brasil sempre teve um superávit na geração de eletricidade. No entanto, nos últimos quinze anos, a expansão da economia e o rápido crescimento do consumo fizeram com que fosse constante a ameaça de falta de eletricidade, o chamado “apagão”. Tal situação ainda foi mais acentuada com as estiagens que afetaram o país nos biênios 2000/2001 e 2014/2015, provocando a queda dos níveis de água dos reservatórios das hidrelétricas para volumes mínimos.

Esses fatores fizeram com que os governos deste período aumentassem investimentos em termelétricas a gás e carvão e incentivassem o desenvolvimento dos mercados de energia renovável. Como resultado deste esforço, o país aumentou sua capacidade instalada de energia eólica de alguns poucos quilowatts em 2002, para 8,98 GW em 2015 (Abeeolica, 2016). O setor de energia solar fotovoltaica também passa por rápido desenvolvimento, principalmente depois criação do Programa de Desenvolvimento da Geração Distribuída de Energia Elétrica (ProGD), em dezembro de 2015 pelo MME. Segundo publicação do setor, em 2016 o mercado de energia fotovoltaica deverá crescer 300% (Portal Solar, 2016).

Com relação à economia de energia, pouco tem sido realizado. Do total de energia elétrica produzido no país, cerca de 10% são perdidos durante a transmissão e distribuição da energia. Dados da Associação Brasileira das Empresas de Conservação de Energia Elétrica (ABESCO) dão conta que o Brasil desperdiça o equivalente a uma usina Belo Monte por ano (4.600 MW médios). Este volume, segundo a associação, seria suficiente para abastecer 40% do consumo residencial do país. Em 2007 a Eletrobrás (empresa de energia do governo federal) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) realizaram um levantamento para detectar o potencial de redução de energia no setor industrial. Naquele ano este potencial já era de 25,7%; 82% dos quais em redução do uso de combustíveis e adaptação de fornalhas e caldeiras.


Em 2014 o Conselho Americano para uma Economia de Energia Eficiente (American Council for an Energy-Efficient Economy – ACEEE) fez uma pesquisa sobre práticas de uso de energia entre as 16 mais importantes economias do mundo. Para avaliar como os países se utilizam do insumo, foram criados 31 indicadores, distribuídos em quatro áreas-chave: indústria, transportes, edificações e esforços nacionais. Num total de 100 pontos possíveis, o Brasil atingiu 30 pontos. No quesito “esforços nacionais”, o país fez quatro pontos de 25 possíveis (foram avaliadas legislação e políticas nacionais); no quesito “eficiência energética nas indústrias” alcançou dois de 25 pontos possíveis; em “edificações” alcançou 10 de 25 pontos; e em “transporte” fez 14 de 25. (Revista Exame julho 2014). Como resultado da pesquisa o Brasil ficou em penúltimo lugar, acima apenas do México. O primeiro lugar ficou com a Alemanha.

O Brasil possui alguns programas relacionados com a eficiência energética; todos, porém, de ação limitada:
- O mais antigo é o PROCEL – Programa Nacional de Conservação de Energia, criado em 1985. O objetivo principal do programa é incentivar a produção de produtos energeticamente mais eficientes. Até o final de 2015 o programa incluía 32 categorias de produtos (eletroeletrônicos, eletrodomésticos, ferramentas, automóveis, máquinas, etc.), totalizando 3.784 produtos e reunindo 209 companhias (a maior parte delas de grande porte). O PROCEL continua gradualmente se expandindo e ganhando novos associados voluntários. Seu crescimento, porém, é quase vegetativo, já que o país ainda não dispõe de uma legislação e normas técnicas referentes à melhoria da eficiência energética de produtos.
- Outra iniciativa é o Programa Nacional da Racionalização do Uso de Derivados de Petróleo e do Gás Natural – CONPET, criado em 1991. O programa visa promover o uso racional dos derivados de petróleo e do gás natural. Para isso, determinados produtos, como fogões, fornos domésticos e aquecedores a gás podem obter a etiqueta de padronização da instituição. Além disso, o programa também atua no setor de transportes, através de treinamento e verificação/certificação (voluntárias) de veículos de transporte.
- A Lei da Eficiência Energética de 2001, estabelece padrões de consumo para diversos produtos e máquinas, como motores elétricos trifásicos, lâmpadas, fogões e fornos a gás, condicionadores de ar, aquecedores a gás e reatores eletromagnéticos. Os padrões de consumo de energia são estabelecidos por uma comissão formada por especialistas de diversos ministérios.

- O PROCEL Edifica e PBE Edifica, criados respectivamente em 2003 e 2004, tem como objetivo implantar medidas de conservação de energia em construções (PROCEL Edifica) e certificá-las, conferindo-lhes um selo de conformidade (PBE Edifica). A adoção dos padrões PROCEL Edifica e a certificação pelo PBE Edifica são voluntários, tanto nas novas construções, quanto no retrofit. Em 2014 o governo federal publicou decreto que torna obrigatória a Etiqueta Nacional de Conservação de Energia (ENCE) em reformas e novas construções de prédios públicos, com área de construção acima de 500 m². Atualmente existem cerca de 50 prédios públicos que possuem esta etiqueta.
- Em outubro de 2011 foi lançado o Plano Nacional de Eficiência Energética (PNEf), que ainda está em fase de implantação e conta com o apoio de instituições internacionais como a alemã GIZ. Em um de seus pontos o plano prevê uma redução do consumo de 10% até 2030, o equivalente a 106 TWh, evitando a emissão de 30 milhões de toneladas de CO²e. Outro aspecto do PNEf é aumentar os investimentos em smart grid. No momento já foram implantados projetos-piloto espalhados pelo Brasil, com a colaboração de distribuidoras regionais de energia (Copel, Eletropaulo, Light, CEMIG, Bandeirante, Coelce e Eletrobrás). Dentro deste mesmo plano, o MME prevê a troca de todos os medidores domésticos no país até 2021, para mais facilmente inserir o consumidor doméstico nos projetos de smart grid.

Grande parte das iniciativas na área da eficiência energética, com exceção do programa PROCEL, ainda está em fase de desenvolvimento. Mesmo assim, de acordo com International Partnership for Energy Efficiency Cooperation (IPEEC), entre 2008 e 2011 a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) registrou 914 projetos de eficiência energética, gerando uma economia de cerca de 2,06 milhões de MWh por ano. Os investimentos, que totalizaram US$1,3 bilhão, incluíram projetos nas áreas de: melhoria de iluminação; programas educacionais; melhorias em estações de tratamento de água; eficiência energética em construções, entre outros.

No mercado brasileiro de eficiência energética não existem incentivos, tais como isenção de impostos para equipamentos. No entanto, existem linhas de financiamento de bancos privados e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para equipamentos e serviços, com taxas de juros abaixo das oferecidas pelo mercado. Para obter estes recursos a empresa precisa estar estabelecida no Brasil.
Segundo o IPEEC (International Partnership for Energy Efficiency Cooperation) os maiores impedimentos para o desenvolvimento mais rápido deste mercado no Brasil, são:
- Empresas não dedicam atenção ao tema;
- Payback time é muito longo;
- Não existe suficiente financiamento;
- Incerteza quanto às efetivas economias geradas pelo projeto;
- Falta de conhecimento para identificar as oportunidades de economia de energia;
- Falta de conhecimento técnico.

Para alguns especialistas do setor, no entanto, os projetos de eficiência energética devem ser baseados em soluções de mercado, sem mecanismos como incentivos, isenções e fomentos, que poderiam distorcer o funcionamento deste mercado. O melhor exemplo de um setor que se desenvolveu rapidamente apenas com mecanismos de mercado é o da energia eólica.
(Imagens: pinturas de Mikhail Larionov)