Antonio Carlos Villaça

sábado, 30 de setembro de 2017

(publicado originalmente na página da Academia Peruibense de Letras no Facebook)

Antonio Carlos Rocha Villaça ou Antonio Carlos Villaça (1928-2005) foi escritor, jornalista, conferencista e tradutor. No Rio de Janeiro, onde nasceu, cursou dois anos de Direito, não terminando o curso. Atraído pela vida religiosa ingressou na ordem beneditina, na qual travaria contato com a literatura e o estudo da história. Decide então se transferir para um mosteiro dominicano em São Paulo, onde inicia estudos de filosofia. Em 1954 abandona o claustro para voltar ao Rio de Janeiro e dedicar-se ao jornalismo, escrevendo para os grandes jornais da época. No Jornal do Brasil mantêm uma coluna diária sobre temas religiosos entre 1958 e 1961.

Conferencista, Villaça viajou por todo o país e pelo exterior, entrevistando personalidades famosas do mundo da cultura. Em 1966 muda para a Europa, onde vive um período em Portugal, Suíça e na França, travando contato com intelectuais e artistas. De volta ao Rio de Janeiro, retoma a atividade jornalística e lança sua mais famosa obra, "O Nariz do Morto" (1970). A obra memorialística foi bem acolhida pela crítica, colocando Villaça junto aos grandes memorialistas brasileiros, como Joaquim Nabuco, Gilberto Amado e Pedro Nava. Mesmo não tendo permanecido na vida religiosa, Villaça foi um importante expoente do pensamento católico brasileiro, tendo escrito "História da Questão Religiosa" (1974) e "O Pensamento Católico no Brasil" (1975).

De 1975 a 1983 Villaça foi membro do Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro e em 1976 tornou-se membro do PEN Clube do Brasil, do qual viria a tornar-se vice-presidente. Além disso, Villaça foi cofundador e secretário geral da Academia Brasileira de Filosofia. Dotado de estilo característico, Villaça foi grande memorialista, além de ensaísta, poeta e historiador. Dotado de grande cultura e gigantesca memória, Villaça foi amigo da maior parte dos intelectuais e figuras públicas de seu tempo. Por sua atividade literária e jornalística, recebeu diversas premiações no Brasil, em Portugal e na França. O escritor e jornalista Carlos Heitor Cony dizia dele que "poucos escreveram tão bem, tão limpidamente e tão profundamente".

Apesar do sucesso e de sua obra e de suas palestras, Villaça sempre viveu modestamente e no final da vida dependeu algumas vezes da ajuda de amigos e admiradores. Em relação a isso escreveu o educador e escritor Gabriel Perissé: "Viveu modestamente e modestamente se foi. Enfrentou com paciência monástica privações e necessidades. Mas foi riquíssimo de amigos. Fez amizade com praticamente toda a literatura brasileira do século XX". Além do "Nariz do Morto" e os ensaios de história, Villaça nos deixou "O Anel" (1972), "O Livro de Antonio" (1974), "Monsenhor" (1975), "A Descoberta do Morro" (1983), "Degustação: Memórias" (1994), entre outros. Abaixo, transcrevemos trechos de algumas obras do autor:

"Era excessivamente tímido. Reservado. Assustava-se com a presença dos outros. Não recebia ninguém em casa. Recebia no Ministério da Educação, naquela furna de armários de aço, onde se isolava. Era muito sóbrio. Nada de efusões. Ria, como que encabulado. E foi por dez anos chefe de gabinete do ministro Gustavo Capanema, de longe nosso maior ministro da Educação. Tinha carro oficial. Eram os dois únicos poetas que tinham carro. Schmidt, porque já era rico." ("Drummond - de Itabira a Copacabana" em "Diário de Faxinal do Céu")

"Escrever é para mim libertar-me. A literatura é uma forma de libertação. Sendo, como é, uma forma de conhecimento e de comunicação ou comunhão. Quando escrevo, busco vencer o tempo e a morte. Busco vencer a solidão. Busco ser amado pelos outros. Nada me seduz mais que a ilusão de que muitos anos depois de minha morte alguém me amará por causa do que escrevi. Enfim, escrever é um ato de vaidade. É a certeza de que somos diferentes, e queremos testemunhar esta diferença. Escrever é algo tão secreto, tão misterioso, como o ato de amar. Eu sei precisamente por que escrevo. Escrevo porque escrever é em mim uma forma de viver. Nenhum escritor vive a vida. Todo escritor é um fingidor. Escrever é a forma que tenho de afirmar-me diante de uma vida que sou incapaz de viver. Literatura e incapacidade de viver são em mim uma mesma realidade. Não se trata de uma ilusão. Trata-se de uma paixão. Arte é loucura. Thomas Mann dizia que os escritores são seres malditos. Literatura é maldição." ("À procura do anel" em "O Livro de Antonio")

"A vida é tão estranha. Não nos compreenderemos jamais precisamente. Não seremos jamais precisamente compreendidos. Haverá sempre mais ou menos em tudo. Nossa palavra estará sempre aquém ou além da sensação. Diderot o sentiu melhor do que qualquer outro." ("O anel")

"Que é a vida senão a descoberta? Que é a vida senão o espanto? Que é a vida senão o amor? Que é o homem senão a palavra? Que é o tempo senão a poesia? Que é a poesia senão a infância? Que é a palavra senão o silêncio? Que é a vida senão a morte? Que é a morte senão o nada?" ("O anel")

(Imagem: fotografia de Antonio Carlos Villaça)   

Turistas e degradação ambiental do litoral

sábado, 23 de setembro de 2017
"O bárbaro pilha a terra; ele a explora violentamente e não consegue recuperar suas riquezas, tornando-a inabitável. O homem verdadeiramente civilizado entende que seu interesse é indissociável dos interesses de todos e da natureza."   -   Elisée Reclus   -   Do sentimento da natureza nas sociedades modernas

Já faz alguns anos, mudei para o litoral. Cidade pequena e agradável, rodeada por montanhas e de frente para o mar. Ar puro, bem diferente da atmosfera cinzenta de São Paulo. O trabalho não é problema, já que minha principal ferramenta é a internet. Vez ou outra apenas uma reunião de negócios na capital; bate e volta, porque não suporto mais a cidade grande.

Algumas vezes, durante o ano, a calma da cidade é interrompida pelos feriados, finais de semana prolongados e férias, principalmente as do verão, quando o afluxo de pessoas é maior. Milhares de turistas põem o pé na estrada e descem para o litoral, abarrotando as cidades e vilarejos dos cerca de 500 quilômetros do litoral paulista. Nos outros estados a situação deve ser igual; mas nem em todo lugar se "desce a Serra", como aqui. Nessas épocas, a população da região litorânea chega a triplicar, até quadruplicar.

Durante dias ou semanas, tudo na minha cidade está lotado, com gente saindo pelo ladrão. Padarias, supermercados, farmácias, bares, restaurantes, todos cheios. As principais avenidas congestionadas, já que até pra ir até a adega, a duas quadras de casa, usa-se o carro. Existe prazer maior do que desfilar com seu veículo, símbolo de status social, mostrando a todos - principalmente aos vizinhos - o que o dinheiro pode comprar (mesmo que seja em 60 prestações)?

Sob o sol forte e céu azul, as praias transformam-se no principal local de lazer. Praia cheia, por todos os lados. Guarda-sóis, esteiras e barracas montadas por famílias de turistas, debaixo das quais acomodam cadeiras de alumínio e as indefectíveis geladeiras de isopor, repletas de latas de cerveja e, evidentemente, alguns refrigerantes para as crianças. Perto da água, o jovem casal jogando frescobol e no areão a garotada correndo atrás da bola. Sorveteiros, pipoqueiros, vendedores de raspadinha, salgadinhos e até um carrinho vendendo roupas, chapéus e óculos de sol. Perto da água, dezenas, centenas de pessoas caminhando, pra cá e pra lá.

Nestas épocas, os sistemas de coleta de lixo da cidade ficam sobrecarregados. A frota de caminhões coletores não consegue dar conta do volume de detritos. Na região central, onde a concentração de pessoas é maior, principalmente à noite, os resíduos jorram das lixeiras - sem contar a grande quantidade de lixo que é jogada na rua, em qualquer lugar, sem qualquer consideração.

O mesmo ocorre com os sistemas de transporte público - só existem ônibus e vans -, que já em outros períodos do ano são demorados, e que com o aumento dos usuários ficam sob mais pressão ainda. O incipiente serviço de saúde apresenta a mesma deficiência; emergências lotadas, esperas de horas para consultas urgentes, falta de equipamentos, funcionários... É o quadro da maior parte das cidades brasileiras, mesmo daquelas que por receberem grande número de turistas deveriam estar mais bem equipadas.

O que toda esta invasão traz para a cidade? Quais benefícios revertem para a população local? Muito pouco. Algumas centenas de empregos e subempregos no comércio e no setor de serviços, quase todos temporários, por um período máximo que vai de outubro a março. Para os comerciantes e prestadores de serviços, trata-se da época do ano em que se deveria faturar o suficiente para cobrir a temporada das vacas magras, que vai de março a junho e de agosto a novembro.

Também é nas férias de verão, ou nas semanas que as antecedem, que aumenta a demanda por serviços de pedreiro, pintor, encanador, faxineiro, jardineiro, corretor imobiliário, e outros: são os turistas preparando suas casas para a família ou para os potenciais locadores. Lojas, hotéis, bares e o comércio em geral fazem reformas e ampliações.

E o impacto sobre o ambiente urbano e natural de todo este aumento da população? Muito lixo nas praias, removido diariamente, bem cedo pela manhã, pelos caminhões da prefeitura. Mesmo assim, muita coisa fica pra trás. Embalagens de plástico, papel, fraldas, garrafas e uma série de outros objetos de uso diário, como escovas de dente e cabelo, óculos de sol, restos de brinquedos de plástico, camisinhas, rótulos de produtos e até dentaduras. Às vezes cacos de vidro. Além disso, restos de cordas e linhas de pesca e muito papel higiênico. É comum ver a barraca de uma família armada na praia durante a manhã e na parte da tarde encontrar lixo no local. Alguns, mais "educados" (ou dissimulados) às vezes se dão ao trabalho de enterrar os restos na própria praia.

As florestas do entorno, atravessadas por estradas com pouco ou nenhum controle da polícia florestal, recebem visitantes que arrancam plantas, cortam árvores e arbustos, fazem fogueiras e depositam ofertas para supostas entidades espirituais. Ao deixarem o local ao final do dia, é comum abandonarem garrafas, restos de comida, latas, embalagens e outros resíduos, profanos e religiosos.

Se, por um lado, é possível constatar que a infraestrutura da cidade não é suficientemente desenvolvida para receber um número tão grande de visitantes, por outro é claro que uma parte considerável dos visitantes ainda não tem educação suficiente para este tipo de turismo. Ainda com relação aos turistas que frequentam a cidade é preciso fazer uma distinção. Existem aqueles que possuem um imóvel na cidade e, por isso, na maior parte dos casos, têm mais preocupação com a limpeza e manutenção da estrutura do município. Outros, não têm qualquer ligação emocional com a terra; são locatários de um imóvel no qual permanecerão por alguns dias ou semanas.

Ocorre que parte destes visitantes, não tendo incorporado noções de higiene e civilidade que deveriam ter aprendido desde a infância, pouco se importam com o lixo e outro tipo de sujeira que vão descartando por toda a cidade e seus arredores. É interessante observar que estes poluidores muitas vezes possuem carros novos, até usam roupas de marca. Mas a educação... Nestas situações, penso o quanto nosso país ainda precisa evoluir culturalmente, até mesmo nas noções básicas de convivência humana.

O progresso de um povo não se mede pelo tipo de objetos que compra, pelo tipo de carros que dirige, pelas roupas que veste. Não é só o crescimento econômico, o consumo, a conta bancária. O parâmetro de progresso de uma sociedade é a maneira como se comporta com seus semelhantes e, consequentemente, como trata o meio ambiente urbano e natural. A considerar estes parâmetros, ainda estamos muitos anos distantes de um grau de desenvolvimento aceitável. 
(Imagens: pinturas de Maximilien Luce) 

Léon Bloy

sábado, 16 de setembro de 2017
"Não acredite em tudo que falam dos outros, nem em tudo do que falam de si."  -  Ricardo E. Rose

(Texto publicado originalmente na página da Academia Peruibense de Letras no Facebook)

Em sua primeira homilia, em março de 2013, o papa Francisco I citou um escritor católico já bastante esquecido, mas que entre o final do século XIX e início do XX causou bastante furor no meio católico francês. Disse Francisco em sua primeira mensagem aos católicos: "Quando não se professa Jesus Cristo, eu retomo a frase de Léon Bloy: 'Quem não reza a Deus, reza ao diabo.'"

Léon Bloy nasceu na pequena cidade de Notre-Dame-de-Sanilhac, na Dordonha, região Sudoeste da França em 1846 e faleceu em Paris em 1917. Novelista, ensaísta, jornalista e poeta, Léon era filho de um livre-pensador e de uma católica devota. Fez seus estudos em um colégio interno católico, mas era aluno medíocre e indisciplinado. Aproveitava o tempo livre no internato para estudar pintura e ler os autores famosos de sua época; Baudelaire, Villiers de L'Isle-Adam, Huysmans, Barbey d'Aurevilly, entre outros. Léon era agnóstico e tinha aversão pelos ritos e pela doutrina católica, preferindo suas leituras, que evocavam outras ideias.  

Terminando o colégio vai para Paris onde continua os estudos de pintura e aprofunda sua cultura literária. Certo dia, em uma livraria, conhece o escritor Barbey d'Aurevilly, que se torna seu tutor intelectual e por influência do qual tem uma dramática conversão ao catolicismo.

Depois de atuar como soldado na guerra franco-prussiana (1870-1871) - da qual trará muitas recordações dramática - volta a Paris, onde começa carreira jornalística e publica as sua primeiras obras literárias. Sempre passando por dificuldades financeiras, Bloy muitas vezes teve que contar com a caridade de amigos e até estranhos, aos quais pedia recursos através de cartas. Amigo de intelectuais e escritores, contribuiu na conversão ao catolicismo de alguns deles, como o escritor Huysmans, o pintor Rouault e o filósofo Maritain. Por outro lado também era bastante temperamental e atacava autores contemporâneos como Victor Hugo, Emile Zola, Guy de Maupassant, Ernest Renan e Anatole France, que se tornaram seus inimigos.

Apesar de relativo sucesso literário e da fama como polemista em defesa do catolicismo, contra o laicismo e o agnosticismo que se espalhavam no mundo intelectual francês do final do século XIX e início do XX, Bloy foi pobre durante toda a sua vida. Em 1890 casa-se com a dinamarquesa Jeanne Molbeck que lhe dá três filhos; dois dos quais morrem em consequência de desnutrição. Mesmo assim, continua escrevendo e publicando sua obra ensaística e, principalmente seus diários.

Visionário e movido por sua fé, Bloy foi ao mesmo tempo um grande escritor e agitador religioso. Acreditava em aparições da Virgem e estava convencido do fim dos tempos, caso a humanidade não se reformasse. Seu estilo influenciou diversos autores em todo o mundo. Escritores como George Bernanos, Loius-Fernand Céline, Ernst Jünger, Jorge Luis Borges, Graham Greene, Aleijo Carpentier, além dos brasileiros Ronald Carvalho, Alceu Amoroso Lima (Tristão de Atayde), Jorge Lima, Murilo Mendes, Augusto Frederico Schmidt e Gustavo Corção, todos incorporaram algo daquele que a si mesmo chamava de "mendigo ingrato" e "peregrino do absoluto". O escritor e ensaísta Octavio de Faria (1908-1980) escreveu um longo ensaio sobre Bloy, publicado em 1968.

Das principais obras do escritor destacam-se as novelas "O Desesperado" (1887) e "A mulher pobre" (1897); os ensaios "O sangue do pobre" (1909), "A alma de Napoleão" (1912) e "Joana d'Arc e a Alemanha" (1915); contos como "Suando sangue" (1898) e "Histórias desagradáveis" (1894). Os escritos que mais lhe trouxeram fama foram os seus diários, dos quais destacamos "O mendigo ingrato" (1898), "O invendável" (1909) e o "Peregrino do Absoluto" (1914). Inédito no Brasil, Bloy teve um livro lançado em 2017, "Nas Trevas" (1917). Abaixo apresentamos citações de várias das obras do autor:

"O maior mal não é cometer crimes, mas falhar em fazer o bem que se devia ter feito"

"Somos todos miseráveis e derrotados, mas poucos são capazes de encarar o próprio abismo."

"Existem partes do coração que ainda não existem; o sofrimento tem que entrar para que possam existir."

"O sofrimento passa, mas o fato de haver sofrido nunca passa."

"Qualquer cristão que não é herói, é um porco."

"A única tristeza real, o único grande fracasso, a única grande tragédia na vida, é não se tornar santo."

"Chegamos a esse formidável e absolutamente estranho momento, em que Deus tendo sido expulso de toda parte, faz com que nenhum homem saberá mais para onde ir." 

"Um santo pode cair na lama e uma prostituta pode ascender à luz."

"O excesso é um defeito."

"Devemos criar uma cátedra para ler nas entrelinhas."

"Eu sou naturalmente triste, como alguém é pequeno ou loiro. Eu nasci triste, profunda e terrivelmente triste, e dominado por uma imensa saudade da alegria."

"É notável que em uma época onde a informação se tornou a mestra do mundo, não se encontre mais ninguém que traga às pessoas uma mensagem de seu Criador. Este está ausente: das cidades, dos campos, das montanhas e das planícies. Ele está ausente das leis, da educação e dos costumes. Ele está ausente mesmo da vida religiosa, no sentido de que todos aqueles que ainda querem ser Seus amigos íntimos, não precisam mais de Sua presença."

"Eu sou um contemporâneo dos últimos humanos da decadente Antiguidade e por isso muito estranho a tudo aquilo posterior à Queda de Bizâncio. O ser humano é tão sobrenatural que, aquilo que ele menos compreende, são as concepções de tempo e espaço."

"Não seria possível juntar toda a miséria, toda tristeza e sofrimentos dos pobres em uma trouxa, em uma cesta? Teríamos as histórias de Deus."
(Imagem: fotografia retratando Léon Bloy) 

Newsletter setembro/outubro/novembro

sábado, 9 de setembro de 2017

(publicado originalmente no site Ricardo Rose Consultoria - www.ricardorose.com.br)

Através da liberação de R$ 4 bilhões para emendas parlamentares, o presidente Temer conseguiu, pelo menos temporariamente, apoio da Câmara dos Deputados para barrar o prosseguimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra ele. Livre do sufoco, o governo realiza uma delegação para a China, a fim de apresentar as oportunidades de investimento no setor de infraestrutura brasileiro aos empresários chineses.

Ao que parece, devagar, muito devagar a economia começa a se recuperar. A prévia do PIB indica um crescimento de 0,25% no segundo trimestre e, pela primeira vez após 11 trimestres de queda, aumenta o número de empregos com carteira assinada. A liberação do Fundo de Garantia de parte dos trabalhadores e a gradual queda dos juros decretada pelo Banco Central ajudaram a aquecer a congelada economia brasileira.

Longe, no entanto, de apontar para uma recuperação, a arrecadação continua baixa, forçando o governo a rever a meta fiscal do país para 2017. De um déficit previsto de R$ 139 bilhões a expectativa subiu para R$ 159 bilhões. Os investimentos continuam baixos a ponto de os recursos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) terem sido reduzidos em 50% neste ano. Cortes em programas de pesquisa (P&D) provocaram a interrupção de diversos projetos em andamento e a redução dos repasses para universidades federais está causando problemas a professores e alunos. Os cortes no programa Bolsa Família faz crescer o número de pessoas sem qualquer tipo de amparo social, enquanto que a interrupção das bolsas de estudo do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) interrompem os planos de carreira de milhares de jovens. Enquanto isso, o governo oferece o perdão de grande parte das dívidas do setor empresarial - muitos deles nem precisariam disso -, através do programa de renegociação das dívidas, o Refis.
  
No meio ambiente, que tradicionalmente sempre foi uma área relegada a segundo ou terceiro plano, as perspectivas também são decepcionantes. Com relação ao gerenciamento de resíduos e à implantação da Política Nacional de Resíduos (PNRS), não há praticamente avanços. Mesmo com a queda na geração de resíduos urbanos, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública (Abrelpe), ocasionada pela redução no consumo, muitas cidades deixam de usar aterros para depositar seus resíduos em lixões. Falta de recursos para ampliar ou construir um aterro tecnicamente correto, faz com que prefeitos tenham que optar pela única solução possível no momento. Um retrocesso na PNRS e resultado de falta de planejamento prévio. A história do que acontece a nível federal e estadual, se repete no município.

Na área do saneamento, como já vínhamos informando antes nesta coluna, provavelmente houve até um retrocesso, já que em muitas regiões as cidades continuam crescendo a uma velocidade maior do que o avanço das obras. Projetos sob intervenção por causa de suspeita de corrupção, por falta de pagamentos de fornecedores e empreiteiros (envolvidos no processo da Lava Jato), estatísticas infladas... Fica claro que o saneamento nunca foi, com raríssimas exceções, prioridade dos governos federais, estaduais e municipais. Em 2016 a ONG Contas Abertas publicou, que em 2007 haviam sido previstos investimentos de R$ 62 bilhões em saneamento até o ano de 2014. No entanto, as obras concluídas até este ano totalizaram somente R$ 4,2 bilhões; apenas 6,8% do total previsto.

O fato na área ambiental que mais chamou atenção da opinião pública local e internacional foi a ideia lançada pelo governo (sem qualquer reação do ministro do Meio Ambiente e deputado do Partido Verde, Sarney Filho) de extinguir a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca). Situada entre os estados do Pará e Amapá, a Reserva tem área de cerca de 47.000 quilômetros quadrados - quase o tamanho da Dinamarca - e foi criada através de decreto no final do governo militar, em 1984. Objeto da cobiça de mineradoras nacionais e estrangeiras a região, segundo especialistas, tem grandes reservas de ouro e outros minerais preciosos, como o nióbio. Com a manifestação geral de artistas, intelectuais e revolta nas redes sociais, o governo temporariamente recuou de suas intenções. Mesmo assim, empresas de mineração, pecuaristas e representantes do agronegócio continuam alertas, esperando uma oportunidade.

O problema não é a mineração em si; esta pode trazer recursos para o país, através de investimentos e venda do minério. O perigo reside no fato de que comprovadamente o Estado não dispõe de recursos para fiscalizar atividades de mineração e garimpo em área tão extensa e de difícil acesso. A região foi pouco desmatada (somente 0,33%) e ainda guarda muitos recursos naturais, além de abrigar tribos indígenas. Os impactos de tais atividades exploratórias sobre comunidades de pequenos agricultores e indígenas são bastante conhecidos ao longo da história da ocupação (e destruição) da Amazônia.

Em outras áreas do setor ambiental, como a introdução de programas de redução de emissões veiculares nas cidades, a identificação e recuperação de áreas contaminadas urbanas, e a reposição de matas ciliares em rios afetados por secas periódicas, as atividades se limitam quase que exclusivamente à publicação de trabalhos técnicos e à realização de seminários. Administrações públicas reduziram suas atividades nessas áreas ao mínimo.

Por fim, cabe assinalar que um juiz federal suspendeu a ação contra funcionários da Vale e da Samarco, acusados de homicídio no caso da barragem do Fundão, em Mariana. O juiz acolheu o pedido da defesa dos réus, que alega que a denúncia do Ministério Público Federal tem como base a obtenção de provas ilícitas. Para completar, a defesa pede a anulação do processo.

Ainda há tempo de reverter o impacto ambiental das atividades econômicas no Brasil. Cada vez menos, no entanto. 

(Ilustração - xologravuras de Richard Mock)

Jorge Luis Borges

sábado, 2 de setembro de 2017

(publicado originalmente na página do Facebook da Academia Peruibense de Letras)

Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo (1899-1986), conhecido como Jorge Luis Borges, foi contista, ensaísta, poeta e tradutor argentino. Descendente de uma tradicional família de políticos, foi educado em casa até os onze anos de idade, quando se tornou fluente em inglês. Em 1914 a família muda para a Suíça, onde o futuro escritor frequenta a escola e aprende também o francês. Durante sua permanência no país também aprende a língua alemã e desde cedo lê os filósofos alemães, ao mesmo tempo em que tem acesso ao que de mais moderno se produzia à época na literatura mundial.


Em 1921 retona à Argentina onde publica seu primeiro livro de poemas "Fervor de Buenos Aires" e inicia atividade de jornalista e escritor no jornal "Prisma", do qual é um dos fundadores. A partir dos anos 1930 começa sua carreira de ficcionista, escrevendo em um estilo batizado à época de "irrealidade"; mais tarde conhecido como "realismo mágico". Com influências da fenomenologia e do existencialismo, filosofias em voga à época, Borges começa a publicar contos e ensaios em diversas revistas literárias da Argentina e do exterior.

Em 1955 Borges fica completamente cego e nunca chegou a aprender o braille. Mesmo assim, torna-se diretor da Biblioteca Pública Nacional e professor de literatura inglesa na universidade de Buenos Aires. Entre 1967 e 1968 foi também professor na universidade de Harvard. A partir dessa época passa a ganhar notoriedade internacional, tendo seus textos traduzidos para várias línguas e recebendo premiações de diversas instituições. Borges faleceu na Suíça, na companhia de sua companheira e secretária, Maria Kodama.

A literatura de Borges é a literatura filosófica e fantástica; é uma misto de ideias e referências filosóficas, literárias, históricas, fazendo alusões a mitos, religiões e relatos de povos do mundo inteiro. Entre suas principais obras estão "História universal da infâmia" (1935), "Ficções" e "O Aleph", publicados na década de 1940; "O livro dos seres imaginários" (1967), "O informe de Brodie" (1970), "O livro de areia" (1975), entre outros. Borges também escreveu centenas de ensaios sobre diversos assuntos, alguns deles reunidos no livro "Outra inquisições" (1952). Deste livro, publicado em 2007 pela Companhia de Letras, ressaltamos as seguintes passagens:


"As ilusões do patriotismo não têm limite. Nos século primeiro de nossa era, Plutarco zombou daqueles que afirmavam que a lua de Atenas seria melhor do que a lua de Corinto; Milton, no século XVII, notou que Deus tinha o costume de se revelar primeiro para Seus ingleses; Fichte, no início do XIX, declarou que ter caráter e ser alemão é, evidentemente, a mesma coisa."

"Com efeito, se o mundo for sonho de Alguém, se houver Alguém que agora esteja nos sonhando e que sonha a história do universo, como prega a doutrina da escola idealista, a aniquilação das religiões e das artes, o incêndio geral das bibliotecas não será muito mais importante do que a destruição dos móveis de um sonho. A mente que alguma vez os sonhou voltará a sonhá-los; enquanto a mente continuar sonhando, nada se terá perdido."

"No oitavo livro da Odisséia, lê-se que os deuses tecem desgraças para que às futuras gerações não falte o que cantar; a afirmação de Mallarmé 'O mundo existe para chegar a um livro' parece repetir, uns trinta séculos depois, o mesmo conceito de uma justificação estética dos males."
(Imagens: fotografias de portas na cidade de Iguape, SP, de Ricardo E. Rose)