Todo ano o mesmo: Black Friday continua fraude

quinta-feira, 30 de novembro de 2017
"Nós viemos de um nada inconcebível. Ficamos um tempo em algo que parece igualmente inconcebível, apenas para desaparecer novamente no inconcebível nada."   -   Peter Wessel Zapffe (filósofo norueguês)

Há poucos dias o comércio brasileiro realizou novamente sua mais promoção, a "Black Friday". Paródia anêmica das grandes liquidações homônimas dos Estados Unidos, que desde 1952 ocorrem no dia seguinte ao Dia de Ação de Graças, anunciando a temporada de compras que antecede o Natal. Do ponto de vista do comércio, as grandes liquidações do Black Friday têm como função vender mercadorias antigas e esvaziar os estoques para os novos produtos e modelos, a serem vendidos antes do Natal. Esta a melhor maneira encontrada pelos fabricantes e comerciantes, para acelerar o giro da produção e das vendas, mantendo os lucros.

No Brasil o Black Friday foi realizado pela primeira vez em 2010, voltado somente para as compras digitais. 2012 em diante a promoção foi estendida para o comércio de balcão e, desde então, ocorre nas duas modalidades. Dados do Wikipedia mostram um gradual crescimento nas vendas entre 2010 e 2014, seguido de uma queda em 2015 e 2016 e apresentando, ao que parece, uma diminuta recuperação em 2017. 

Um dos principais aspectos da promoção tupiniquim são as fraudes nos preços dos produtos. Desde seu lançamento no Brasil, são constantes - e vem aumentando - as reclamações de consumidores, relatando alterações de preços de produtos, trocas de produtos por similares e divulgação de vantagens que normalmente já fazem parte das vendas, como oferecer "frete grátis". A manchete do caderno "Mercado" do jornal Folha de São Paulo de sábado, 23 de novembro de 2017 diz: "Metade dos produtos da Black Friday tem promoção 'falsa'". E o subtítulo: "De 719 itens pesquisados pela Folha, 347 estavam mais baratos ou tinham o mesmo preço 22 dias anteriores à data", ou seja, antes da "promoção" do Black Friday.

Ao longo da matéria o jornal cita exemplos de eletrodomésticos (geladeiras, batedeiras, TVs Led, lavadoras de roupas, fogões) e eletrônicos (smartphone e iphones), cujos preços aumentaram por ocasião da promoção. Um claro caso de Crime contra a Economia Popular, previsto na Lei nº 1521/51. Os maiores infratores são, segundo o jornal, os grandes magazines e supermercados, como Ponto Frio, Extra, Americanas, Wallmart, Casas Bahia, Submarino e Magazine Luíza, que, invariavelmente, a cada ano, figuram em lugares de destaque na "black list" do Black Friday. Segundo o balanço do sítio "Reclame Aqui", o número de queixas de consumidores que se sentiram lesados, aumentou em 2017 em relação a 2016.

O estrangeiro que vem ao Brasil e entra em qualquer estabelecimento comercial, tem a impressão de que o consumidor brasileiro deve ser muito respeitado. Isto porque, em todo lugar, até no carrinho de pipocas, existe um exemplar do Código de Defesa do Consumidor. Em alguns estabelecimentos ainda se encontra um aviso: "Esta loja possui um exemplar do Código de Defesa do Consumidor", como se fosse uma caixa de primeiros socorros ou extintor de incêndio. Transparência acima de tudo!

A verdade, como qualquer brasileiro ou brasileira constata no Black Friday e em todos os outros dias das semanas de todo o ano, é bem diferente. Como se diz por aí nos cursos de vendas, "o consumidor é rei". Sim, e como todo rei deve ser tratado com majestade enquanto é rapinado. É assim que grande parte do comércio se comporta frente ao consumidor. O Código de Defesa do Consumidor, criado através da Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990, infelizmente continua sendo apenas item obrigatório no comércio, muitas vezes para dissimular práticas desonestas.
(Imagens: pinturas de Hans Gude)

Lima Barreto

sábado, 25 de novembro de 2017

(publicado originalmente na página da Academia Peruibense de Letras no Facebook)


Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922), Lima Barreto, foi jornalista e um dos maiores escritores brasileiros. Escreveu romances, contos, sátiras e crônicos em muitos periódicos de sua época. Filho de uma escrava e de um madeireiro português, foi estudante esforçado, além de autodidata, chegando a ingressar na escola de engenharia do Rio de Janeiro. O alcoolismo, associado a outros problemas de saúde, fazem com que faleça em decorrência de um colapso cardíaco aos 41 anos.

Um dos maiores estilistas da literatura portuguesa, deixa obras como: Recordações do escrivão Isaías Caminha, O triste fim de Policarpo Quaresma, além de inúmeros contos e artigos, publicados na imprensa e resgatados postumamente. Famoso é seu conto O homem que sabia javanês. Espírito crítico, mordaz e dotado de grande cultura, Lima Barreto era um grande opositor do governo e da cultura do Rio de Janeiro (e do Brasil) de seu tempo.

De Lima Barreto, apresentamos excertos de algumas crônicas, publicadas no volume Crônicas Escolhidas (Editora Ática, 1995):

É de uso que nas sobremesas , se façam brindes em honra ao aniversariante, ao par que se casa, ao infante que recebeu as águas lustrais do batismo, conforme se tratar de um natalício, de um casamento ou batizado. Mas, como a sobremesa é a parte do jantar que predispõe os comensais a discussões filosóficas e morais, quase sempre nos festins familiares em vez de trocarem ideias sobre a imortalidade da alma ou o adultério, como observam os Goncourts, ao primeiro brinde se segue outro em honra à mulher, à mulher brasileira. (A mulher brasileira)

O carnaval é a expressão da nossa alegria. O ruído, o barulho, o tantã espancam a tristeza que há nas nossas almas, atordoam-nos e nos enchem de prazer. Todos nós vivemos para o carnaval. Criadas, patroas, doutores, soldados, todos pensamos o ano inteiro na folia carnavalesca. A zabumba é que nos tira do espírito as graves preocupações da nossa árdua vida. (O morcego)

Eu não sei que mania se meteu na nossa cabeça moderna de que todas as dificuldades da sociedade se podem obviar mediante a promulgação de um regulamento executado mais ou menos pela coação autoritária de representantes do governo. (Conhecem?)

(Imagem: fotografia de Lima Barreto)

45 mil anos de impacto ambiental

sábado, 18 de novembro de 2017

"A história é o que algumas poucas pessoas fizeram enquanto todas as outras estavam arando campos e carregando baldes de água."   -   Yuval Noah Harari   -   Sapiens - Uma breve história da humanidade


Atualmente, não há mais dúvidas para a ciência de que o homem, o homo sapiens, vem alterando o ambiente em que vive há centenas de milênios. À medida que a tecnologia se desenvolvia - desde as ferramentas de corte feitas de pedra e o domínio do fogo até a invenção do arco -, o impacto do homem sobre o ambiente foi gradativamente aumentando. No entanto foi com a Revolução Cognitiva, período a partir do qual houve um acelerado desenvolvimento da cultura (tecnologia, religião, arte), ocorrida há cerca de 50 mil anos, que o sapiens consolidou sua posição no topo da cadeia alimentar dos diversos biomas que habitava.  

A primeira incursão humana para um mundo fora dos continentes africano e eurasiano se deu há aproximadamente 45 mil anos. O historiador israelense Yuval Noah Harari, em sua obra Sapiens - Uma breve história da humanidade, relata a ocupação da Austrália por humanos vindos de ilhas da Indonésia. Logo depois disso, dados arqueológicos dão conta do rápido desparecimento de diversas espécies de animais, num ritmo além do natural. Cangurus imensos de 200 quilos e dois metros de altura, coalas gigantes, leões marsupiais do tamanho de um tigre moderno, lagartos de 7 metros e até 600 quilos; o diprotodonte, ancestral do vombate que tinha três metros de comprimento e o genyorni, ave carnívora com dois metros e pesando 230 quilos. Todos extintos. Harari diz em seu texto: "Em alguns milhares de anos, virtualmente todos estes gigantes desapareceram. Das 24 espécies animais australianas pesando 50 quilos ou mais, 23 foram extintas." Também há muitos indícios fósseis de grandes queimadas efetuadas pelos primitivos habitantes da ilha, provavelmente para o abate simultâneo de manadas de animais. O eucalipto, raro há 45 mil anos, espalhou-se por todo o continente australiano, pois é muito resistente ao fogo, diferentemente de outras árvores e arbusto que desapareceram.

Estudo recentemente publicado na revista Nature Plants mostra o impacto das populações humanas, há milhares de anos, em zonas florestais como Sri Lanka, Nova Guiné, Austrália, México e Amazônia brasileira. Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo o representante do instituto Max Planck, realizador do estudo, informou que a queima da vegetação era realizada de maneira controlada, de modo a criar áreas abertas, propícias ao crescimento de certas plantas comestíveis e à presença de certos animais. O que de maneira geral a pesquisa indica, é que essas populações, através da experiência, já dominavam técnicas de manejo da vegetação e com isso aumentavam suas chances de obter alimentos.

Outro estudo realizado pela Universidade de São Paulo entre 2016 e 2017 também coloca em cheque o conceito de que a floresta amazônica era um ambiente quase intocado até a poucas décadas. A identificação de mais de 400 geoglifos (grandes figuras feitas no solo através da deposição ou remoção de sedimentos) no Acre, atestam a ocupação destas áreas há quatro mil anos, através do manejo da vegetação original. Os pesquisadores descobriram que a mata era substituída por espécies comestíveis, como milho, abóbora e palmeiras.

O impacto ambiental de nossa espécie não se limita aos últimos 200 ou 300 anos, com o aumento da população mundial e o advento da industrialização. A ação do homem em seu ambiente tem relação direta com o desenvolvimento tecnológico das sociedades. 

(Imagens: fotografias de habitantes das florestas da Nova Guiné)

Giacomo Leopardi

sábado, 11 de novembro de 2017

(publicado originalmente na página da Academia Peruibense de Letras no Facebook)

Giacomo Leopardi (1798-1837) foi um dos maiores poetas italianos. Educado por um preceptor escolhido por seu pai, desde cedo teve contato com os clássicos gregos e latinos da imensa biblioteca paterna. Na juventude foi vítima de doença que o deixou cego de um olho e o marcou fisicamente para o resto da vida. 

Sua obra é marcada pela melancolia e ceticismo, ressaltando o aspecto trágico da vida humana. Entre suas maiores obras estão a coleção de pensamentos Zibaldone, a coleção de poemas Cânticos e os poemas meditativos Opúsculos morais. Abaixo transcrevemos um trecho desta obra:

Mas como os mortais no primeiro momento de cada dia readquirem uma parte da juventude, assim envelhecem todos os dias e finalmente se extinguem; igualmente o universo no princípio de cada ano renasce e nem por isso deixa de continuamente envelhecer. Tempo virá em que ele e a própria natureza se apagarão. Assim como de grandes reinos e impérios humanos com seus movimentos maravilhosos, famosíssimos em outros tempos, nada resta hoje, de indícios ou fama; o mesmo, do mundo inteiro, dos acontecimentos infinitos e das calamidades das coisas criadas, não restará um vestígio sequer. Apenas um silêncio nu e uma altíssima quietude encherão o espaço imenso. Assim esse arcano admirável e espantoso da existência universal, antes de ser declarado ou compreendido, se extinguirá e se perderá.

(Imagem: retrato de Giacomo Leopardi)

Prefeituras não conseguem implantar a PNRS

sábado, 4 de novembro de 2017

"No mundo inteiro, cerca de metade da produção de grãos é utilizada para alimentar animais."   -   Alan Weisman   -   Contagem regressiva 

Publicada em 2010 no final do governo Lula, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) foi celebrada como solução para a questão da destinação de resíduos no Brasil. O projeto de lei original é de 1992 e por muitos anos permaneceu no Congresso esperando aprovação. Prevista para entrar em vigor a partir de 2014, teve sua validade prorrogada pelo Congresso para 2018, já que pouquíssimos municípios teriam condições de colocar a lei em prática, por falta de recursos. Parte do setor privado mais organizado, principalmente as grandes empresas e aquelas cujos produtos têm maior impacto ambiental, já elaborou e começa a implantar práticas de gestão de resíduos, chamadas de logística reversa. No entanto, enquanto as prefeituras não organizarem sistemas de gestão - coleta, reciclagem e destinação - de seus imensos volumes de lixo, a PNRS não acontecerá na prática.

Nem mesmo a queda na geração nacional de resíduos, que em 2016 com 78,3 milhões de toneladas geradas diminuiu 2,04% em relação a 2015, está ajudando os municípios. A recessão econômica, provocando a queda do consumo, fez com que na média nacional o brasileiro produzisse 2,9% menos lixo do que em 2015, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública (Abrelp). Mesmo assim, as prefeituras de todo o pais, com menos recursos arrecadados, estão acumulando uma dívida de R$ 8 bilhões com empresas que prestam serviços de coleta, segundo dados da Câmara dos Deputados. A inadimplência das prefeituras junto às empresas de coleta, fez com que até agora o setor tivesse que dispensar 17 mil funcionários, segundo informação da Abrelp.

Mesmo no estado de São Paulo, o mais rico e desenvolvido do país, uma pesquisa do Tribunal de Contas do Estado (TCE) realizada em 2016, constatou que 71,17% dos municípios paulistas não dispõem de áreas específicas para disposição dos resíduos de saúde. 58,28% das cidades avaliadas não possuíam local para descarte de resíduos da construção civil, 94,48% não contavam com usinas de compostagem de resíduos orgânicos e 38,4% dos municípios nem dispunham de cooperativas de catadores organizadas. O quadro no restante do país deve ser o mesmo ou talvez até pior.

Outro fato levantado por um estudo realizado pela Abrelp em 482 municípios, cujos dados foram extrapolados estatisticamente para todas as 5.570 cidades brasileiras, é que vem aumentando o número de administrações municipais que passaram a usar lixões para destinar os resíduos urbanos. Segundo dados da associação, em 2016 havia 2.239 cidades que dispunham de aterro sanitário; 1.772 tinham aterro controlado e 1559 utilizavam o lixão. O estudo revela que 81 mil toneladas diárias de lixo são depositadas em locais inadequados e que também não houve um aumento da reciclagem de materiais.

O quadro geral não permite otimismo, já que será lenta a recuperação da economia e da arrecadação dos municípios. A Abrelp sugere que as cidades instituam a cobrança de taxas específicas para a gestão da limpeza municipal, a taxa do lixo. Segundo a associação, das cidades que planejam e têm orçamento para o setor, 75% dispõem seus resíduos urbanos de forma correta, em aterros sanitários. A solução deveria funcionar, desde que a população perceba que os recursos estão efetivamente sendo destinados à implantação de um programa de gestão de resíduos, e não para outros fins.
      
(Imagens: pinturas de John Tunnard)